Biografia e Doença
Acredito que um dos maiores e mais duradouros desafios que enfrentei ao iniciar minha formação e atuação médica foi o encontro com a doença e o fenecer. Ao escolher a medicina como profissão minha procura era trazer saúde, acalentar a dor, fazer o bem. Era difícil encontrar doenças com prognósticos ruins e, ainda mais desafiador, me colocar ao lado do paciente neste momento tão doloroso.
Logo no início de minha formação, no primeiro ano de internado no estágio de obstetrícia, realizei o parto de uma jovem mãe, uma mulher cheia de vida, encantada com a maternidade. Poucos meses depois, novamente nos encontramos, agora em meu estágio de ginecologia, momento bem distinto do primeiro encontro. Dessa vez, por uma lesão em sua mama que logo foi diagnosticada como um câncer de mama inflamatório, com um péssimo prognóstico. Surgiu em minha alma um grande sentimento de impotência e incompreensão.
Afinal qual seria o sentido do adoecer? Como falar e contar sobre a doença e sua gravidade a uma mulher tão jovem, com um bebê de 8 meses? Como trazer conforto e não mergulhar em sua dor, sem me revoltar?
Qual seria o caminho oculto por trás de doenças crônicas ou fatais? Que portas poderiam ser abertas?
A leitura do livro “Biografia e Doença” nos revela um mundo de oportunidades e aquece a alma. A partir dos relatos dos casos clínicos trazidos pelas autoras, Dra Gudrun Burkhard e Dra Angélica Justo, mergulhamos no rio da vida e compreendemos como as questões anímicas, que trazemos desde o olho d’água, desde a tenra infância, se refletem nas doenças que se manifestam em nós.
Um diagnóstico que na realidade nos convida a observar a vida por um outro prisma, abrindo a possibilidade de um grande passo no caminho de autodesenvolvimento, da busca em transmutar as dores da alma que levam ao desequilíbrio, ao adoecimento físico. Um processo doloroso, no qual, a princípio, um verdadeiro caos se instala, advindo reflexões, dores e sentimentos confusos que se entrelaçam. Verdadeiras e profundas metamorfoses podem acontecer e algo novo nascer. Segundo Novalis: “a doença se torna um problema musical, uma desarmonia que não pode voltar a harmonia precedente, mas deve ser resolvida em uma harmonia subsequente superior”.
Ao longo de nossa biografia nos distanciamos de nossa essência, nosso propósito de vida, e então surge a doença, que nos impulsiona a pausar, a refletir, a transformar. A doença como um caminho de cura anímica que possibilita a cura física.
Outro aspecto muito importante abordado neste livro são os espelhamentos, as consequências na vida adulta das crises e traumas vivenciados nos anos iniciais da vida, que estão presentes nos diferentes relatos biográficos dessa obra. Podemos compreender o significado da frase de Steiner: “A biografia é uma doença prolongada, e a doença é uma biografia condensada”.
Para ilustrar o espelhamento por exemplo na vida da mulher, uma menina que vivencia o amadurecer de maneira fria, sem acolhimento, e que inicia a vida sexual precocemente influenciada pelo meio externo, ou que sofre abuso sexual, tem grande chance de apresentar questões com a própria sexualidade e desenvolver doenças ginecológicas na vida adulta. Assim, o caminho de cura envolve olhar novamente para essas vivências traumáticas e ressignificá-las. Nesse sentido, o trabalho baseado na metodologia biográfica é um potente instrumento para iniciar e se aprofundar no processo de cura.
Dra Larisa Steele é médica ginecologista e obstetra formada pela Unesp (Botucatu), 
atuando em sua prática clínica, em São José dos Campos (SP), com a medicina antroposófica e a ginecologia natural, aconselhadora biográfica e integrante da ELEB-
Escola Livre de Estudos Biográficos de São Paulo.
Co-criadora: @luanascente_acolhendoamenarca
Instagram: @lari_steele / @casade.sophia
