Os desafios da longevidade e A vida após os 80 anos
A longevidade está se tornando uma realidade global, com o rápido envelhecimento da população. A proporção de pessoas com 65 anos ou mais deve crescer significativamente até 2050. No Brasil, os idosos devem superar a população jovem a partir de 2030. O envelhecimento é impulsionado pela queda da fecundidade e pelo aumento da expectativa de vida. A idade média do brasileiro passará de 33,2 anos (2022) para 41 anos (2042), e a expectativa de vida ao nascer aumentará de 73,4 para 79,9 anos até 2062. Com esse panorama, surgem os desafios relacionados ao envelhecimento saudável e à qualidade de vida das pessoas idosas.
O livro A vida após os 80 anos, escrito pela médica e especialista na metodologia biográfica, Gudrun Burkhard (1929-2022), oferece insights sobre como viver com mais consciência, empatia e propósito, independentemente da etapa da vida em que nos encontramos.
Na visão antroposófica, após os 63 anos, cessa-se o compromisso com o desenvolvimento passado, fechando-se os ciclos e com a possibilidade de começar um novo propósito. A Dra. Gudrun Burkhard é um exemplo desse arquétipo. Além de ser reconhecida por ter desenvolvido a metodologia biográfica, e pelas diversas formações biográficas no Brasil e no mundo, foi uma escritora contumaz e pesquisadora de temas relacionados à antroposofia, e especificamente à biografia humana. Quando ainda pouco se falava de longevidade no Brasil, em 1999, ela lançava o livro Livres na terceira idade: leis biográficas após os 63 anos, já que ela mesma estava com 70 anos.
Quando era quase uma nonagenária (tinha 90 anos quando o livro foi lançado), resolveu pesquisar a biografia de pessoas idosas com mais de 80 anos, e para isso, idealizou e realizou uma série de entrevistas.
A maioria das entrevistas foi feita na moradia das pessoas idosas: sítios, praias, apartamentos e algumas em casas de repouso. Foram limitadas aos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; sendo algumas biografias foram feitas por aconselhadores biográficos assistentes em Mato Grosso, Ceará e nos Estados Unidos.
Foram realizadas mais de 100 entrevistas, com homens e mulheres entre 80 e 108 anos, organizadas em 15 grupos dos quais destacamos alguns: agricultores, pescadores, casais, viúvas, profissionais, indígenas e residentes em instituições.
Ao longo do livro, os relatos dos entrevistados revelam uma diversidade de perspectivas sobre a vida após os 80 anos. Muitos compartilham como continuam ativos, engajados e motivados, desafiando estereótipos comuns sobre a velhice. Essas histórias demonstram que é possível encontrar propósito e alegria em todas as fases da vida.
A questão proposta pelo livro era descobrir como chegar à idade mais avançada em condições harmônicas e positivas para o ambiente em que se vive. A autora observou que, mesmo que a saúde física esteja precária, alguns idosos irradiam felicidade e positividade para o ambiente; e outros, apesar de idosos, mostram-se altamente criativos no nível espiritual, filosófico ou manual. Dra. Gudrun afirma que a vida não é saúde – vida é o equilíbrio constante entre as forças primordiais da existência do corpo, da alma e do espírito. Com o passar da idade, o que se perde em vigor físico, ganha-se em percepção, maturidade e, principalmente, em liberdade interior.
Por isso, o envelhecimento não é tratado como um declínio, mas como uma oportunidade de crescimento interior e é enfatizada a importância de compreender a biografia humana como um caminho de autoconhecimento e transformação.
O livro nos convida a repensar os conceitos de envelhecimento, tempo e propósito de vida, trazendo à tona uma abordagem espiritual, existencial e prática sobre os desafios e riquezas do avançar da idade. A biografia da autora, que também faz parte dos relatos, nos oferece um testemunho realista, mas também inspirador, sobre o envelhecer com dignidade e consciência. Destaca a importância de aceitar as mudanças do corpo e da mente com serenidade e gratidão; nos encorajando a valorizar as experiências acumuladas ao longo dos anos e a reconhecer a beleza que reside na maturidade.
Permeado por reflexões sobre o tempo — não apenas o cronológico, mas o tempo interior, o livro nos convida a voltar-se para dentro, reavaliar o passado e dar novo significado à própria existência. A autora escreve sobre perdas, limitações, mas também sobre a beleza da simplicidade, o valor das memórias e a importância de manter-se aberto ao novo.
Em um dos capítulos, a Dra. Gudrun aborda como determinados temas influenciam o bem-estar do idoso, a saber: a infância, a religião, o trabalho (você vive para trabalhar ou trabalha para viver?), a ancestralidade e a hereditariedade, a saúde, a vida cultural, a criatividade, a vida econômica e a motivação de vida. A autora sugere estratégias e propostas para lidar com esses temas.
De uma perspectiva profissional, o livro fornece orientações para os aconselhadores biográficos que trabalham ou trabalharão com pessoas idosas. A autora compartilha sua observação de que existe uma dificuldade das pessoas idosas em absorverem a biografia de outra pessoa e terem interesse real pelo relato. Por outro lado, elas têm necessidade de falar sobre si mesmas. Deduz-se então que o trabalho biográfico com pessoas idosas deve priorizar o atendimento individual, e não em grupo. A idade ideal para o trabalho biográfico com pessoas idosas seria entre 70 e 90 anos, pois acima dos 90 anos, a maioria das pessoas precisa de ajuda para lembrar dos fatos. Ao final do livro, a Dra. Gudrun disponibiliza o questionário preparado por ela para as entrevistas, e que poderá ser usado no trabalho biográfico. As perguntas estão separadas por blocos, conforme a seguir: primeira infância (ninho), atualmente, profissão, vida cotidiana, saúde e perguntas existenciais.
Entretanto, a autora mesma afirma que, por sua experiência, ela não usou o questionário diretamente, e que às vezes é preciso abordar a pessoa por diferentes perspectivas, para estimulá-la a contar o que tem vontade.
Para finalizar, A Vida após os 80 anos é um livro para todas as idades. Jovens e adultos podem encontrar na leitura uma profunda fonte de aprendizado sobre o viver, o cuidar, o aceitar e o transformar. É uma obra que promove empatia entre as gerações e amplia a visão de futuro para quem ainda tem um longo caminho a percorrer.
Aconselhadora Biográfica, Coach e Consultora Organizacional.
Conheceu a Antroposofia e a Biografia Humana em um projeto de Gestão da Mudança empresarial, participou da formação de consultores / líderes facilitadores (Adigo, 2000) e do Aprofundamento Espiritual do Consultor (2004). Formou-se em Aconselhamento Biográfico no Programa Biografia e Caminho Iniciático (Associação Sagres, 2015). Coautora na Coletânea Aconselhamento Biográfico: o que é, para quem e como acontece. Diretora Presidente da ABAB na gestão 2023-2025.
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Referências:
UNITED NATIONS, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Population Prospects 2022. Disponível em: https://population.un.org/wpp/. Acesso em: 24 jan. 2023
Gudrun Burkhard. A vida após os 80 anos. Editora Antroposófica.
Imagem: Eddie K por Pixabay
